Hoje em dia, a internet parece eterna — como se tudo o que publicamos, armazenamos ou enviamos estivesse garantido para sempre em algum servidor do outro lado do mundo. Mas poucas pessoas sabem que, ao longo da história recente, pequenos eventos quase colocaram toda a memória digital da humanidade em risco. Um dos casos mais intrigantes aconteceu em 2012, e envolve algo aparentemente inofensivo: o salto de um segundo no relógio mundial.
Sim, um único segundo quase derrubou a internet inteira.
O que é o salto de segundo?

Para manter os relógios do mundo sincronizados com a rotação irregular da Terra, cientistas ocasionalmente adicionam um segundo extra ao tempo oficial. Esse ajuste é chamado de leap second.
A Terra não gira com precisão absoluta — ela é afetada por terremotos, marés, mudanças atmosféricas e até pela extração de petróleo. Com o tempo, esses pequenos desvios tornam o tempo solar diferente do tempo atômico. Sem correções, em alguns séculos o meio-dia deixaria de coincidir com o sol no céu.
Então, a cada certo tempo, adiciona-se um segundo:
23:59:59 → 23:59:60 → 00:00:00
Simples? Na teoria, sim. Na prática… nem tanto.
Quando um segundo virou caos

Na noite de 30 de junho de 2012, o segundo extra foi oficialmente inserido. O problema? Vários sistemas operacionais não estavam preparados para que o minuto tivesse 61 segundos.
Servidores rodando Linux e softwares que dependiam de sincronização NTP (protocolo de horário) entraram em loop. O processador travava tentando entender um horário inexistente. Isso fez com que:
- servidores caíssem simultaneamente
- sistemas travassem globalmente
- sites parassem completamente
- reservas de voos fossem derrubadas
Empresas afetadas incluíram:
- Mozilla
- Yelp
- Qantas, a companhia aérea australiana, que teve centenas de voos atrasados
Tudo porque a máquina não sabia o que fazer com um segundo que não deveria existir.
Por que isso foi tão perigoso?
Naquele ano, estimava-se que cerca de 65% dos servidores de internet do mundo rodavam Linux. Um bug desse tipo, se amplificado, poderia ter:
- interrompido operações bancárias globais
- apagado dados temporários essenciais
- derrubado infraestrutura de energia e telecom
- causado perda de bilhões de dólares em operações automatizadas
E isso aconteceu numa época em que a internet era muito menos dependente de sistemas críticos do que é hoje.
Imagine o mesmo problema hoje, com:
- IA rodando em servidores 24h
- criptomoedas movimentando bilhões em milissegundos
- mercados financeiros automatizados
- carros autônomos conectados à nuvem
- hospitais digitalizados sem papel
Um segundo errado poderia causar um colapso global em tempo real.
Isso pode acontecer de novo?
Sim — e há cientistas preocupados. O salto de segundo não ocorre regularmente; ele é decidido conforme a rotação da Terra. Desde 1972 já tivemos 27 segundos adicionados.
Mas em 2023, pela primeira vez na história, especialistas cogitaram remover um segundo em vez de adicionar — porque o planeta está girando mais rápido. E adivinhe?
Um segundo removido pode ser ainda mais perigoso do que um segundo extra.
Sistemas teriam que “pular” um horário, o que pode resultar em inconsistências em bancos de dados, transações duplicadas ou perda de sequência temporal — algo crítico para sistemas financeiros e blockchain.
Não à toa, empresas como Google e Meta pressionam para eliminar o leap second de vez.
A solução do Google: o “leap smear”

O Google criou uma abordagem criativa: em vez de adicionar um segundo repentinamente, ele espalha o segundo ao longo de um dia inteiro. Assim, cada segundo é levemente mais curto, evitando o bug.
Exemplo simplificado:
Um dia normal → 86.400 segundos
Dia com ajuste → segundos com ~0,999988s cada
A diferença é imperceptível para humanos, mas suave o bastante para não travar máquinas.
O problema é que não existe padronização global. Ou seja, cada empresa pode lidar com o tempo do seu jeito — e quando relógios divergem, sistemas dependentes de sincronização podem entrar em conflito.
Imagine um banco em Nova York operando com um tempo “esticado” e um servidor financeiro em Londres usando tempo “normal”.
Um segundo pode custar milhões.
O que essa história revela sobre o mundo digital
Esse caso serve como alerta: quanto mais dependemos da tecnologia, mais vulneráveis ficamos a falhas pequenas e imprevistas. E esses riscos vêm de lugares inesperados:
- uma linha de código mal escrita
- um cabo rompido no oceano
- uma atualização mal sincronizada
- um cálculo matemático ignorado
A civilização moderna parece futurista, mas está apoiada em detalhes delicados e frágeis.
No fim, a grande lição é simples:
A internet não é eterna. Ela é uma construção humana — e pode ruir por algo tão pequeno quanto um segundo.
Conclusão
O “segundo fantasma” de 2012 pode parecer apenas uma curiosidade histórica, mas é um lembrete poderoso de como tecnologias globais podem falhar de forma simultânea e imprevisível. A cada ano, estamos mais conectados, automatizados e dependentes de sistemas que precisam funcionar com precisão absoluta.
E às vezes, o maior risco não vem de hackers, colapsos energéticos ou guerras cibernéticas.
Vem de uma pequena atualização no relógio.